Por Rodrigo Pereira Costa Saraiva
Antes de analisar
o conceito de política para o filósofo Aristóteles, se faz necessário traçar
algumas diretrizes a despeito da política, a primeira delas: é que a política
não se resume a sua vertente partidária, em outros termos, a política não se
resume tão somente a política eleitoral, aos partidos políticos, a segunda:
buscar-se-á neste trabalho relatar a essência da política, ou seja, abordar o
verdadeiro espírito e a finalidade da política no contexto social brasileiro.
Para se falar em
política na visão aristotélica, é interessante se narrar de forma breve a
história do surgimento da política no mundo, este se deu simultaneamente com a
origem e formação da família. A família surgiu de uma necessidade de
relacionamento entre os homens nas épocas mais remotas de nossa civilização,
mais adiante se vislumbrou a relação homem e mulher, a relação do homem com a
sua propriedade, a relação do homem com o seu escravo. A relação de escravidão
é bastante peculiar, posto que esta relação remete a ideia de subordinação
absoluta, nesse sentido a relação é entre uma pessoa (dono) e uma coisa
(escravo), de outra maneira o escravo não detinha nenhum direito, era um mero
objeto. Ainda cabe salientar que existem outras concepções do termo escravidão,
como aquela em que o próprio indivíduo se escraviza, ou seja, existem pessoas
que são escravos de sua ignorância, falta de conhecimento, falta de virtudes e,
talvez seja esta a pior modalidade de escravidão.
Nesse
diapasão, Aristóteles ressalta:
“É dessas duas
associações, entre o homem e a mulher, e o senhor e o escravo, que se forma
inicialmente a família [oikía]; e foi com razão que Hesíodo disse que a
primeira família foi composta “pela mulher e o boi feito para o labor”, pois o
boi exerce o papel do escravo entre os pobres. A família é, pois, a associação
estabelecida pela natureza para atender às necessidades do dia-a-dia do homem,
constituída pelos, como disse Carondas, vivem da mesma provisão, ou, como disse
Epimênides de Creta, partilham o sustento".
É interessante a concepção
de família e das relações sociais de Aristóteles, doravante cabe uma crítica,
tal entendimento do filósofo é excelente para a época em que foi construída,
atualmente se concebe como ilegal à relação de escravidão. Desse comentário do
autor pode-se extrair em suma que as necessidades fizeram com que o homem se
relacionasse, que a partir dessa relação associativa futuramente nasce à
política. Note bem que apesar dos milhares de anos entre o que escreveu o
ilustre filósofo e a realidade atual, ainda se vê hoje a relação de escravidão,
alguns empregadores transformam seus empregados em verdadeiros escravos, a
título de exemplo o que ocorre na região sudeste com as confecções têxteis,
caso dos bolivianos e demais estrangeiros escravizados nessas fábricas.
Nessa linha de
raciocínio, Aristóteles aduz:
“A sociedade que
se forma em seguida, formada por várias famílias, constituídas não só para
apenas atender às necessidades cotidianas, mas tendo em vista uma utilidade
comum, é a aldeia (komé). Ela assemelha-se a uma colônia de famílias. Cujos
membros foram alimentadas pelo mesmo leite. É por isso que as cidades foram
originariamente governadas por reis, como ainda hoje o são algumas nações,
posto que eram constituídas pela reunião de pessoas que já viviam sob o governo
de um rei: toda casa, com efeito, sendo governada pelo componente mais velho da
família, tal como por um rei, continuava a viver governada pela mesma
autoridade, em razão do parentesco”.
Eis o ponto
crucial do surgimento da política, foram as diversas relações experimentadas
pelo homem, seja com a sua mulher, seja com o seu escravo, seja com outras
famílias dentro de sua comunidade ou aldeia, todo esse conjunto de relações fez
com que surgisse necessariamente a política, em seu termo original, a política
é a arte de convencer(poder de convencer outrem), da palavra, da argumentação
num debate de ideias, a política enquanto um poder, poder esse que exerce um
chefe de família no seio familiar, poder esse que exerce um rei no que toca aos
seus súditos. O termo “Poder” tem uma gama variada de significados, aqui irá se
tomar poder como ferramenta para a arte de convencimento, seja pela força, seja
pela articulação, seja pela arte de melhor administrar, seja provocando medo ou
temor nas pessoas.
Nessa linha de
raciocínio, Aristóteles ressalta:
“Fica evidente,
pois, que a Cidade é uma criação da natureza, e que o homem, por natureza, é um
animal político [isto é, destinado a viver em sociedade], e que o homem que,
por sua natureza e não por mero acidente, não tivesse sua existência na cidade,
seria um ser vil, superior ou inferior ao homem. Tal indivíduo, segundo Homero,
é “um ser sem lar, sem família, sem leis”, pois tem sede de guerra e, como não
é freado por nada, assemelha-se a uma ave de rapina”.
Nessa perspectiva
cabe acrescentar que o surgimento da política se deu em meio ao surgimento das
relações entre as pessoas, surgimento da sociedade, da própria Cidade (Pólis),
na visão deste autor a política surgiu naturalmente das necessidades a serem
supridas no dia-a-dia. Cristalino é que o homem por ser um animal
necessariamente político vive em uma sociedade, mas cabe aqui uma reflexão: Por
que o homem vive em sociedade? Por que o homem é um ser político? Par responder
tais questões é necessário retomar a ideia de política enquanto o poder de
convencer outrem, ou seja, o homem nas épocas mais remotas percebeu que era
mais prático, mais fácil e menos arriscado viver em grupo do que viver isolado,
como um nômade. Posto isto, é evidente que o líder de um bando, grupo de homens
se utilizou da política para convencer a todos a viverem em conjunto, o que
mais tarde fez surgir às sociedades e as cidades, cabe salientar que a posição
do filósofo em análise é diversa, ele acredita que a Cidade é anterior a tudo.
A arte do convencimento, o poder da palavra, a capacidade de dialogar com
intuito de convencer, de ter a sua concepção como a preponderante é o conceito
resumido da política.
O ilustre filósofo
salienta:
“Assim, por natureza a Cidade é anterior à família e ao indivíduo, uma
vez que o todo é necessariamente anterior á parte. Se o corpo é destruído, não
existirá nem o pé nem a mão, exceto por simples analogia, quando se diz, por
exemplo, de uma mão de pedra. Todas as coisas são definidas pelas suas funções;
e sim que tão-somente têm o mesmo nome (homônima). Dessa forma, é evidente que
a Cidade existe por natureza e que é anterior ao indivíduo; pois o indivíduo
não tem a capacidade de bastar-se a si mesmo; e; relativamente à cidade, está
na mesma situação que a parte relativamente ao todo. Ora, homem que não
consegue viver em sociedade, ou que não necessita viver nela porque basta em si
mesmo, não faz parte da Cidade; por conseguinte, deve ser uma besta ou um deus.
Assim, há em todos os homens uma tendência naturala uma tal associação; aquele
que a fundou no princípio foi o maior dos benfeitores. Pois o homem, quando atinge esse grau de
perfeição, é o melhor dos animais, mas, quando está separado da lei e da
justiça, ele é o pior dentre todos”. (grifo nosso)
O filósofo parte
de uma premissa que a cidade é anterior ao indivíduo e a própria família, ou
seja, o estudo dele tem como ponto de partida a ideia clara de que a cidade é o
alpha e que tudo decorre dela. Nessa linha de pensamento, cabe a reflexão que
se a cidade é o todo e o indivíduo é uma parte deste todo, o que precede este
todo? Como era a civilização no mundo antes da formação da cidade? O homem que
não vive em sociedade é necessariamente um deus ou uma besta? Para responder
eminentes questionamentos tem-se que destacar a posição de Aristóteles, este
expressava nas suas ideias a teoria naturalista, de outra forma, de que a Pólis
surgiu naturalmente, em outras palavras ela foi a origem de tudo. Critica-se
tal posição posto que não a como se conceber que a Cidade surgiu antes do
indivíduo, antes da sociedade, antes da própria política, senão veja que para a
formação de uma sociedade organizada, a formação de uma Pólis, é extremamente
necessário, primeiro a existência de indivíduos, sem a qual não existe sociedade
e nem a cidade e, que os indivíduos se utilizem de uma das vertentes da
política, ou seja, que certos indivíduos lancem mão do poder de convencimento,
da persuasão, do diálogo, do poder de influência ideológica para que seja daí
formada um grupo, formada uma comunidade, formada uma tribo, formada uma
cidade,etc. Nessa senda, fica evidente que a política é a precursora, em outros
dizeres, sempre existiu a política, visto isso é plenamente possível que um
homem viva fora da sociedade, seja um eremita, não há óbice para que o homem
viva tranquilamente fora do seio de uma sociedade e nem por isso deve ser
considerado um deus ou uma besta. Importante é relatar como era o mundo nos
tempos mais remotos, antes da formação da Cidade, será que era um caos, uma
desordem plena, ou um meio-termo entre a ordem e o caos? Não se sabe com
certeza tais respostas, doravante é imperioso salientar que naquela época seja
qual dessas situações prosperou dali, já se percebeu a utilização da política
mesmo que de um modo primitivo, seja na hora de caçar, seja na hora de coletar
alimentos, seja na hora de se proteger ou de se agrupar, ou de se proteger do
frio ou de animais ferozes, o homem primitivo usou da arte e do poder do
convencimento e, não existe forma melhor de convencer outrem do que a real
necessidade, e até nesses casos de tribos bem antigas se usava a política da
violência, determina e manda o mais forte. O homem enquanto ser político,
dotado de razão, diferentemente dos demais animais, sempre vai ter uma nova
necessidade e, necessidade de se proteger, necessidade de aprender e buscar
novos conhecimentos, etc, dessa necessidade surge à política.
Os conceitos de
política, da relação entre homem e mulher, escravidão de Aristóteles são muitos
importantes até hoje, doravante deve-se ter cuidado posto que tais conceitos
não são aplicáveis atualmente como o foram na época. Em suma, o atual conceito
de política vai muito além daquele tido como correto pelo senso comum no
Brasil, alguns populares falam com fervor: “Eu não me envolvo em política”, mas
calma ao se expor essa frase o indivíduo está fazendo política, ou seja, ele
não está somente se envolvendo como produzindo, como expondo aos demais sua
posição com o intuito de convencer ou meramente informar alguém sobre a sua
pretensão de não se meter em política, ou seja, para este indivíduo a
ignorância prospera, reduzir a política ao período prévio e posterior as
eleições e ao direito eleitoral é um tremendo absurdo. Nessa banda, até mesmo
esse que vos escreve está fazendo política, querendo que a sua tese, a sua
posição seja a preponderante, sirva de base e influência para outras teses.
Isto posto, não a razão para reducionismo no que tange ao conceito de política,
mesmo que a cultura do reducionismo seja disseminada pelo Brasil.
Ainda no que tange
a este assunto vale a pena relembrar a cultura do reducionismo, esta é aplicada
em larga escala no Brasil, posto que é bem mais interessante aos detentores do
poder econômico e do poder político deixar o cidadão no escuro, na ignorância do
que lhe proporcionar à luz, lhe proporcionar o conhecimento, a título de
exemplo: ao se retomar ao questionamento anteriormente feito a um cidadão, o
que você entende por política? Este vai de pronto responder: são as eleições,
os políticos corruptos do congresso nacional, não me envolvo em política, voto
por que sou obrigado, etc. A questão crucial é o porquê disto? Por que reduzir
o conceito de política a isto? Há possibilidade de mudança nesse cenário? A
expectativa é que a mudança comece agora, inclusive com as revoltas e protestos
sociais, e uma transformação do pensamento e da reflexão das pessoas, essa
devendo ser paulatina e não abrupta que não surta o efeito esperado tanto no
indivíduo, na sua família e na sociedade.
Em outra
perspectiva, não se deseja aqui fechar, petrificar um conceito de política, dar
um conceito único sobre o que é a política para todos os seus campos de
estudos, aliás não se acredita num conceito único, isto depende de cada seara
aonde é estudada a política, em exemplo: a política financeira, a política
jurídica, a política eleitoral e partidária, a política econômica, a política
de mercado, dentre outras. Neste diapasão, se fixa uma premissa de que o
conceito de política é dinâmico, acompanha o desenrolar dos fatos sociais, acompanha
a evolução da sociedade, doravante isto, pode-se de forma genérica analisar a
política como sendo a arte do convencimento, da persuasão, arte da argumentação
com intuito de convencer alguém ou todos que a sua ideia é a correta para certo
caso, conclui-se que a política deve ser vista pelos cidadãos brasileiros na
perspectiva narrada neste texto, ou seja, que o cidadão abra sua mente, comece
a olhar as coisas ao seu redor de uma outra forma, retire aos poucos das suas
entranhas essa cultura reducionista absurda não somente no que toca ao conceito
de política.
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA:
ARISTÓTELES.
POLÍTICA. COLEÇÃO OBRA-PRIMA DE CADA AUTOR. ED. MARTIN CLARET LTDA. 6 º EDIÇÃO.
2013. TRADUÇÃO DE POLITIKÓN, PEDRO CONSTANTIN TOLENS.
Sobre o autor:
Rodrigo Pereira
Costa Saraiva, OAB/MA nº 10.603
Advogado e
consultor jurídico em São Luís- Ma, Professor do Curso Preparatório para o
Exame da ordem do Imadec, diretor do Escritório Rodrigo Saraiva Advocacia e
Consultoria Jurídica, Coordenador do grupo de estudos em Direito Constitucional
da Oab/Ma desde 2013. Doutorando em Direito pela UNLZ (Universidade Nacional de
Lomas de Zamora), membro da comissão dos jovens advogados da OAB/MA
Nenhum comentário:
Postar um comentário