Em Porto Alegre
para participar do Seminário Dívida Pública, Desenvolvimento e Soberania
Nacional, promovido pelo Sindicato dos
Engenheiros (Senge), na PUCRS, o ex-ministro e ex-governador do Ceará Ciro
Gomes (PDT) afirmou que o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff
(PT) está sendo movido por uma “coalizão de ladrões” que deseja implementar uma
“agenda entreguista”, submetida a interesses internacionais.
Em entrevista
concedida ao Sul21 e ao Jornal Já, Ciro Gomes afirmou que a saída do PMDB do
governo federal, sacramentada em votação que durou três minutos na tarde de
terça-feira (29), em Brasília, tem o objetivo de acelerar o processo de
impeachment para tentar impedir que as investigações da Operação Lava Jato
atinjam mais nomes da classe política brasileira.
“O doutor
[Rodrigo] Janot, procurador-geral da República, está de posse de mil contas na
Suíça, com US$ 800 milhões já identificados e bloqueados, com a fina flor dos
políticos e dos empresários com eles conexos. Por isso que eles precisam
aceleradamente [do impeachment]. Faz cinco meses que o processo de cassação do
Eduardo Cunha não anda um passo sequer na Câmara e uma presidência da República
da oitava economia mundial, em menos de 15 dias, pelo que nós estamos contando
hoje, pode cair”, afirma Ciro.
Para o
ex-governador, provável candidato a presidência da República pelo PDT em 2018,
o impeachment da presidenta ainda não é inevitável, mas será preciso que o
“povão acorde” e que haja uma mudança no contexto nacional para que ele seja
barrado. Ciro ainda prevê que, caso se concretize a queda de Dilma, o
vice-presidente Michel Temer terá muitas dificuldades para governar diante da
crise econômica e política vivida pelo país.
Confira a seguir
a íntegra da entrevista.
Como você avalia
a saída do PMDB do governo?
Ciro Gomes: Isso
é a crônica de uma morte anunciada. Se não fosse uma tragédia para o país, eu
seria um dos brasileiros que poderia estar dizendo, com muita moral e
coerência, que eu avisei. Quantas vezes eu falei com o Lula, eu falei com a
Dilma, lá na ancestralidade desse projeto, o quanto estúpido e equivocado era
colocar esse lado quadrilha da política brasileira na linha de sucessão do
País. Prevaleceu o pragmatismo que acabou entregando organicamente ao PMDB a
resultante do poder no Brasil, sem voto. E agora eles estão percebendo que
podem consumar o fato, eliminar os intermediários e assumir diretamente. São
componentes absolutamente escandalosos e enojantes. Eu não estou exagerando em
nenhuma palavra, porque assistir o País ir para o risco que está correndo, para
o Michel Temer, organicamente vinculado a tudo que está errado sob o ponto de
vista institucional e de corrupção no Brasil – eu sei muito bem o que estou
falando, é só pesquisar meu mandato de deputado federal, com ele na presidência
da Câmara – e parceiro íntimo do Eduardo Cunha, que vira vice-presidente da
República.
Com isso eles
vão, apoiados pelo PSDB nesse instante, cumprir a segunda tarefa depois de
assaltar o poder, que é matar a Lava Jato, que agora, sob o ponto de vista dos
politiqueiros de Brasília, parece ter saído do controle. Só para eu lhe dar
alguns dados que não saem na grande mídia porque não interessa. O doutor
[Rodrigo] Janot, procurador-geral da República, está de posse de mil contas na
Suíça, com US$ 800 milhões já identificados e bloqueados, com a fina flor dos
políticos e dos empresários com eles conexos. Por isso que eles precisam
aceleradamente [do impeachment]. Faz cinco meses que o processo de cassação do
Eduardo Cunha não anda um passo sequer na Câmara e uma presidência da República
da oitava economia mundial em menos de 15 dias, pelo que nós estamos contando
hoje, pode cair.
O que acontece
nos dias seguintes à chegada do Temer à presidência?
Ciro: O que
acontece é que um governo ilegítimo se constitui. Esse governo não é gravemente
negativo para o país só porque é ilegítimo e viola a democracia. Esse governo
vem com uma agenda basicamente entreguista, dos últimos interesses nacionais
que essa gentalha não conseguiu entregar para o estrangeiro. Anote o que eu
estou lhe dizendo: petróleo e gás. Mas também para arrebentar com o rudimento
de avanço social que o país experimentou, porque eles têm uma convicção, está
nos textos do Armínio Fraga, de que o salário mínimo, que é base para toda
massa salarial brasileira, passou do limite, que tem que ser reduzido.
Nos textos deles
está lá que a política social não deve mais ser universal, e sim focada em
pequenos grupos como defende o neoliberalismo mais tacanho, que inclusive está
superado internacionalmente. Enfim, é uma tragédia completa para o Brasil. O
que significa dizer que, dado que esses politiqueiros não conhecem o Brasil que
existe hoje, que nós dissolveremos muito rapidamente esse quase consenso que
está sendo construído que é pela negação, porque a sociedade brasileira está
machucada pela crise econômica e indignada com a novelização do escândalo. Mas,
na hora que esse consenso negativo provocar uma ruptura imprudente da nossa
tradição democrática, no dia seguinte essa energia não vai para casa. E eu estarei
junto com eles tocando fogo, porque não toleraremos que o Brasil seja vendido.
O senhor já
disse que será o primeiro a entrar com um pedido de impeachment do Temer se ele
assumir a presidência..
Ciro : É todo um
contexto. Eu não sou ninguém e há muita manipulação nesse Facebook, com perfis
falsos. O que eu disse, e vou repetir, é que o impeachment é um procedimento
jurídico-político. Ele não pode ser nem só político e nem só jurídico, e está
escrito na Constituição que essa interrupção de um mandato de um presidente da
República só se dará na condição de cometimento de crime de responsabilidade. A
Dilma não foi acusada de nenhum cometimento, de nenhuma dessas figuras penais
da lei de responsabilidade. O pretexto do pedido que está tramitando e pode derivar
numa ruptura democrática do país é o que eles chamam de pedalada fiscal, que é
um crime contábil, completamente errado, não defendo, mas que todos os governos
vêm fazendo e nunca, em circunstância alguma, é crime. Entre o elenco formal da
lei não é crime. Portanto você tem um golpe.
E eu disse na
entrevista e vou repetir pro senhor, se foi esse o pretexto que vai levar à
ruptura do Brasil e há esse risco de ninguém mais governar o nosso país pelos
próximos 20 anos, eu estou comovidamente convencido disso, eu entrarei
imediatamente com um pedido de impeachment baseado no fato, que eu já tenho
todos os documentos, de que o Michel Temer, como vice-presidente ocupando a
presidência da República, assinou dezenas de decretos de pedaladas fiscais,
igualzinho a Dilma. Portanto, se valer para ela juridicamente – evidentemente
que isso é só pretexto -, vai ficar a sociedade brasileira muito esclarecida de
que isto também foi uma molecagem de golpe. Mas vou entrar na hora.
A partir do
impeachment da Dilma e de um possível impeachment também do Temer, qual seria a
solução? Novas eleições?
Ciro: Um
impeachment só acontece quando há uma construção consensual. Hoje, esse
consenso não existe ainda. Ele se acelerou muito por conta de você ter feito
encontrar interesses internacionais poderosos, que têm uma influência
importante na formação da mega mídia, especialmente de São Paulo, que se
autodenomina imprensa nacional, e do Rio de Janeiro, com uma sociedade muito
angustiada com a crise econômica e com a loucura da denúncia moral, que foi
extremamente passionalizada com aquilo que pareceu ao povo uma jogadinha miúda,
metendo o centro da República nela, que é trazer o Lula para dentro do Palácio.
Eu espero que ainda dê tempo e que essa marcha da insensatez se interrompa. Não
acontecendo, o próximo passo de um impeachment do Michel Temer é muito
improvável, porque imediatamente ele passa a ser o representante no poder dos
interesses internacionais, que hoje estão na clandestinidade, balançando as
bases da democracia brasileira.
É só vocês
fazerem uma pesquisa rapidinha: quais são os lugares da Geografia do mundo onde
há petróleo com algum excedente e você imediatamente vai ver a mesma
instabilidade que há no Brasil, até agravada. Agravada, por exemplo, como é o
caso do Iraque. Agravada pelas tensões no Irã, agravada pelas tensões no Egito,
pelas tensões na Líbia. É uma coisa que não é coincidência. Arábia Saudita está
balançando. A Venezuela, na nossa América Latina, está completamente em
frangalhos, a sua institucionalidade. Isso é um jogo bruto, não é um jogo para
criança. Agora, esse interesse passa a vencer. Imediatamente a mídia correlata
já está fazendo o que para qualquer brasileiro é uma coisa enojante. Um partido
que está há 10 anos mamando, roubando, escandalosamente e fisiologicamente
entranhado no governo, que, portanto, se tem alguma coisa boa no governo, ele
pode reclamar para si também e, se tem alguma coisa completamente errada, o
PMDB também é responsável por isso. Sai (do governo) e a Rede Globo faz uma
novela dignificando, nobilitando o gesto do PMDB. É a novilíngua. George
Orwell, no livro “1984”, escreveu sobre isso.
Ciro, você fala
de entreguismo do PMDB…
Ciro: Está
escrito. Leia o que eles estão chamando ridiculamente de Ponte para o Futuro.
O senhor acha
que o PMDB tem condições políticas de implementá-lo?
Ciro: Nenhuma
chance. É uma grande fraude. É uma grande e imensa fraude porque o Brasil hoje
tá pinçado por três crises, e uma alimenta a outra, e “trocar Chico por Manel”
não resolve nada. Pelo contrário, quando você excita expectativas simplórias,
grosseiras, como está acontecendo hoje, em que todo o problema brasileiro seria
essa novela moral, que nós vamos trocar uma pessoa que não tá acusada de nada
por uma linha de sucessão que é Michel Temer, Eduardo Cunha, Renan Calheiros –
os três estão citados na Lava Jato e ela é a única que não foi citada nem é
investigada em coisa nenhuma -, o que acontece no dia seguinte? Eles vão
trabalhar para desarmar a Lava Jato, mas as três crises vão estar do mesmo
tamanho.
Vamos lá, crise
número 1: internacional. Um constrangimento, eu diria para você, paradigmático.
O Brasil encerrou um ciclo, nós perdemos qualquer veleidade de ter um projeto
de desenvolvimento, nisso o PT comete talvez seu maior erro. Fez um avanço, mas
não institucionalizou nada, não mexeu em estrutura nenhuma do País. O resultado
prático é que, quando terminar o ano de 2016, entre produtos industrializados
que nós vendemos para o estrangeiro e produtos industrializados que nós
compramos do estrangeiro, o buraco já está em US$ 110 bilhões. A gente vinha,
até 2014, pagando este buraco com um ciclo de commodities muito caras. Então,
eu estou trabalhando na CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), nós vendíamos, em
2014, uma tonelada de minério de ferro por US$ 180. Chegamos a vender por US$
40. O petróleo, quando nós comemoramos a maravilhosa descoberta do pré-sal, eu
estava lá ajudando a fazer a lei de partilha, aquilo tinha e tem ainda o condão
no futuro de mudar radicalmente a estrutura brasileira social, econômica e de
infraestrutura, o que acontecia, o petróleo custava US$ 110. Então, a gente
gasta US$ 41 para tirar um barril de petróleo, com este nível de escala hoje, e
vendíamos a US$ 110. É uma fortuna. Pois bem, o petróleo custa US$ 41 para
tirar e nós estamos vendendo a US$ 30. “Micou” o pré-sal. Você tem a soja, o
milho, etc., que não caíram tanto, mas caíram 15%, 20% todos. Ou seja, a gente
artificializou de fora para dentro uma conta macroscópica do Brasil com o
estrangeiro e esse ciclo morreu e morreu para sempre – pelo menos pelas duas
próximas décadas. O país está desafiado a celebrar toda a sua matriz de
desenvolvimento agora, catando outro lugar aonde assentar essa imprudência de
não termos uma política industrial de comércio exterior. Então, segura a
primeira crise que eu quero ver como esses golpistas vão tratar.
Segunda crise,
quando você tem um desequilíbrio nas suas contas externas, você transfere para
dentro do país uma variável que é a desvalorização da moeda. Eu não tenho tempo
aqui, mas, basicamente, se eu tenho um buraco nas contas com o estrangeiro, a
consequência prática dentro do país, a primeira, é que a moeda se desvaloriza. O
real se desvaloriza perante o dólar. Isto imediatamente se irradia para os
preços, todos os preços que são imediatamente sensíveis ao câmbio. Por exemplo,
você compra pão, pão é trigo, o Brasil não produz trigo com suficiência,
importa, é dólar. Então, se você tem uma desvalorização do real frente ao
dólar, o pão fica mais caro, a pizza fica mais cara. Remédio, 75% da química
fina brasileira é importada. Se você desvalorizada a moeda, o remédio fica mais
caro. Passagem de ônibus, a principal variável é o diesel, diesel é petróleo,
petróleo é câmbio. Então, você tem uma pressão de preços relativos que dá uma
miragem de inflação. Tentaram botar desde o senhor Fernando Henrique, e o PT
manteve a mesma equação, a economia num tal piloto-automático do inflation
target, que aqui tomou o nome de meta da inflação. Aí você atira com taxas de
juros. Você tem a maior recessão, que não é mais, é depressão econômica, da
história do Brasil, e a taxa de juros do Brasil é a maior do mundo. Eu quero
ver o que essa calhordice aí, desses golpistas salafrários, vai fazer no dia
seguinte que tomar posse.
E, terceiro, a
crise política. Ou você acha que PT, MST, CUT, Ubes, eu e todos nós que estamos
convencidos de que há um golpe em marcha no Brasil vamos deixar esse governo
governar para vender o País para o estrangeiro. Nenhuma chance. Nós vamos para
o pau contra eles. Eu não reconheço legitimidade nesse governo que está
querendo se construir em cima do golpe. Eu não reconheço e vou lutar, no meu
limite, com as ferramentas que estiveram a meu alcance, para que essa tragédia
não se abata sobre o Brasil.
O impeachment é
inevitável?
Ciro: Não é
inevitável. Eu estou lhe falando e é preciso que a gente date as coisas, porque
as coisas estão muito frenéticas no Brasil, mas o que a sociedade precisa saber
é que o processo de cassação do Eduardo Cunha, pilhado com milhões de dólares
no estrangeiro roubados da Petrobras, flagrantemente, tudo demonstrado com
interações internacionais constrangedoras, faz cinco meses não deu o primeiro passo
ainda na comissão, e essa coalizão de ladrões, esta cleptocracia que está se
organizando ao redor do senhor Michel Temer, está querendo derrubar uma
presidente em 20 dias. Tá marcado para o dia 17 de abril e, no momento em que
eu estou lhe falando, só um milagre nos salva. Esse milagre é possível de ser
praticado se o nosso povo acordar, não só nós que já estamos na luta, mas o
povão, que ainda está vendo as coisas, com muita razão, com um pé atrás, mas eu
ainda tenho esperança que Deus toque o coração e a cabeça da sociedade
brasileira. E isso pode mudar as coisas.
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