Por Joás de Jesus Ribeiro
O mito ao contrário do que se pensava não foi
inventado e nem criado como chega acontecer com as fabulas, mas ele é a
manifestação daquilo que ocorre no período geralmente noturno, ou seja, nos
sonhos. Essa definição é apresentada pela psicanálise, isso não descarta a
definição filosófica de mito como representação do mundo, a psicanálise veio
elucidar qual o processo que participa dessa representação. Na obra de Joseph
Campbell, o herói de mil faces,
a demonstração gira em torno da visão clinica que o mito vem se manifestar. É
do inconsciente que os desejos aparecem sem uma restrição ou ate pudor, um
mundo onde é possível realizar qualquer coisa e satisfazer os desejos. Pode-se
dizer que são onde o mito nasce de fato e que logo após o sono, será no estado
de vigília que eles são narrados e pensados ou apenas venerado como
possivelmente ocorreu e ocorre com civilizações primitivas que chegam ate
considerar um outro mundo e vida além desta. Foi do mundo desconhecido do sonho
que as religiões se fundamentaram mais tarde nos hinos e cânticos de louvores
aos deuses ou Deus, assim como a elaboração das suas escrituras sagradas. Os
poetas e profetas deixam devidos créditos aos sonhos que são considerados
revelações divinas, com esse significado o homem pôde fundamentar a sua crença,
moral e costumes dando forma e face para a sua cultura. É diante do sonho que o
homem considera possível a relação direta com o sagrado e onde os deuses ou
Deus podem falar com ele e lhe entregar a mensagem a sua tribo ou aos povos,
não é de se ignorar que ate hoje existem seitas ou religiões que veneram o
sonho como fator crucial para uma revelação. Mesmo com o mapeamento do cérebro
pela neurociência e a descoberta dos mecanismos que provocam o sonho ele ainda
tem se demonstrado um mistério do inconsciente estudado pela psicanálise.
Palavra-chave:
mito, manifestação, sonhos, psicanálise e sagrado.
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1 Introdução:
Para a psicanálise são dos sonhos que os mitos têm
sua origem, é nele que o mundo fantástico é criado ou descoberto, então ela se
preocupa em desvendar o que vem sendo mostrado pelos sonhos e apresentam a sua
interpretação que têm como objetivo ajudar o paciente a superar determinada
dificuldade que prejudica o seu cotidiano. O sonho revela as necessidades que o
inconsciente têm que é reprimido ate mesmo por uma postura e conduta do
paciente. O desejo aparece manifestado nos sonhos, por isso é comum ao
empregado que durante o dia é humilhado pelo patrão ou chefe durante a noite
sonhar discutido com ele quando não o lança pela janela do andar mais alto, a
casos que um ente querido fala como se nada tivesse acontecido, ele torna a sua
rotina e conversa no sonho, a rotina em uma atemporalidade sem um espaço físico
definido. Talvez aconteça isso devido a saudade que a pessoa têm do ente
querido e possui o desejo de vê-lo novamente. O medo também faz parte dos
sonhos construídos pelo inconsciente, é comum o relato de pessoas caindo de um
edifício ou sendo perseguidos por uma fera. A censura e o desprezo por algo
podem muitas vezes surgir como desejo no inconsciente, sonhar em comer um
alimento muito calórico quando se está de regime, assim como obter o ato sexual
em sonho são fatores que revelam deficiência ou necessidades físicas do corpo,
desde um obeso ao atleta e um compulsivo sexual ao religioso e castidade. Eles
podem sonhar com aquilo que expressa os desejos mais íntimos para aqueles que
ignoram no estado de vigília, ate o desejo explicito que se busca um domínio.
Pois é o mundo de realizações, previsões, revelações e mensagens confusas, o
qual forma os mitos como se conhecem, será nele a construção de uma moral e
regras que através dessas experiências “inefáveis” toda uma sociedade e cultura
serão fundamentadas, sejam guiados pelos poetas ou profetas os mitos tiveram e
tem grande importância.
O inconsciente envia toda espécie de fantasias, seres estranhos, terrores
e imagens ilusórias – seja por meio dos sonhos, em plena luz do dia ou nos
estados de demência; pois o reino humano abarca, por baixo do solo da pequena
habitação, comparativa corriqueira, que denominamos consciência, insuspeita
caverna de Aladim. Nelas há não apenas um tesouro, mas também perigosos gênios:
as forças psicológicas inconvenientes ou objetos de nossa resistência, que não
pensamos em integrar – ou não nos atrevemos a fazê-lo – à nossa vida. Essa
forças podem permanecer insuspeitadas ou, por outro lado, alguma palavra
casual, o odor de uma paisagem, o sabor de uma xícara de chá ou algo que vemos de
relance pode tocar uma mola mágica, e eis que perigosos mensageiros começam a
aparecer no cérebro. Esses mensageiros são perigosos porque ameaçam as bases
seguras sobre nas quais construímos nosso próprio ser ou família. Mas eles são,
da mesma forma diabolicamente fascinantes, pois trazem consigo chaves que abrem
portas para todo o domínio da aventura, a um só tempo desejada e temida, da
descoberta do eu. Destruição do mundo que construímos e no qual vivemos, assim
como nossa própria destruição dentro dele; mas, em seguida, uma maravilhosa
reconstrução, de uma vida mais segura, límpida, ampla e completamente humana –
eis o encanto, a promessa e o terror desses perturbadores visitantes noturnos,
vindos do reino mitológico que carregamos dentro de nós.
(CAMPBELL,1992)
2 O fenômeno dos sonhos
Diante desse fenômeno, sonho, o homem primitivo não
soube pormenor explicar o que era aquilo, o misterioso visitante das vezes que
dormia. Foi nessa situação de contemplação de algo desconhecido, talvez com o
sonho de caçar os mais perigosos dos animais de seu convívio ou fora dele que
surge o resquício de um herói capaz de enfrentar os seus medos e dificuldades.
Porventura no seu estado de vigília este sonhador anunciasse o feito de um
homem em um mundo fora deste que conquistou a mais temida besta fera já criada
pela natureza. Os feitos desse herói passaram de geração a geração sendo
narrados em cânticos ou poesias ao redor das fogueiras que guardavam os homens
do desconhecido mundo da escuridão afora.
3 O divino e o sonho
A melhor forma de Deus ou deuses entrarem em
contato com os homens era através dos sonhos, alguns se revelavam em imagens
quase inefáveis, de outro era apenas possível ouvir a sua voz, enquanto uns
apareciam através do fogo. Este último que protegia os homens do
desconhecido da escuridão, mas que não permitia que se aproximasse muito se não
seriam consumidos, portanto os antigos perceberam que o fogo estava diretamente
ligado com o sagrado era com ele que os sacrifícios a Deus ou deuses deveriam
ser feito. O cordeiro era imolado como sacrifício a Deus, o boi era sacrificado
para libertação dos espíritos dos mortos, assim como aves, répteis e outros
animais que eram oferecidos nos ritos de passagem, todos esses sacrifícios
oferecidos no fogo que consumiria e levaria para Deus e deuses, que receberiam
o sacrifício como cheiro suave em suas narinas seguido de adoração e louvores
que era o que mais Deus e deuses se agradavam. Com o dever comprido a caça
seria abençoada, a tribo teria guerreiros fortes para protegê-la, mais tarde
com o aparecimento das cidades tais crenças permaneceriam preservadas nos mitos
e ritos.
Quando passamos, tendo essa imagem em mente, à consideração dos numerosos
rituais estranhos das tribos primitivas e das grandes civilizações do passado,
cujo relato chega até nós, torna-se claro que o propósito e o efeito real
desses rituais consistia em levar as pessoas a cruzarem difíceis limiares de
transformação que requerem uma mudança dos padrões, não apenas da vida
consciente, como da inconsciente. Os chamados ritos [ou rituais] de passagem,
que ocupam um lugar tão proeminente na vida de uma sociedade primitiva
(cerimônias de nascimento, de atribuição de nome, de puberdade, casamento, de
morte, etc), têm como característica a pratica de exercício formais de
rompimento normalmente bastante rigorosos, por meio dos quais a mente é
afastada de maneira radical das atitudes, vínculos e padrões de vida típicos de
estágios que ficou para trás. Segue-se a esses exercícios um intervalo de
isolamento mais ou menos prolongado, durante o qual são realizados rituais
destinados az apresentar, ao aventureiro da vida, as formas e sentimentos
apropriados à sua nova condição, de maneira que, quando finalmente tiver
chegado o momento do seu retorno ao mundo normal, o iniciado esteja tão bem
como se tivesse renascido.
(CAMPBELL,1992)
4 Poetas e profetas
Os mitos estão diretamente legados com o sagrado,
pois coube aos poetas e profetas por intermédio de uma inspiração divina passar
a mensagem entregue por Deus ou deuses. Essas mensagens provem muitas vezes dos
sonhos, por isso Daniel um profeta da tradição judaico-cristã recebia suas
profecias ou visão através dos sonhos. Com figuras e imagens que revelam
situações que normalmente as pessoas podem sonhar, principalmente um homem que
viveu em um período de crise cultural do seu povo. Há também varias historias
de monges budistas e hindus que sonham com figuras sagradas que lhas entregam
mensagens que se tornaram importantes para as suas religiões. Pouco se conhece
sobre a religião dos gregos mais o que se sabe é que os poetas recebiam das
musas a inspiração para narrarem do arquétipo aos feitos heróicos de
personagens lendários que por sua vez deixam, exemplos para as gerações que
surgiram depois dos feitos. O sonho é o maior responsável pela existência e
crenças nessas revelações divinas, pode-se considerar o sonho o principal
fundador de varias religiões, e o contribuídor das sagradas escrituras de
diversos povos. O ethos se manifestou junto com os mitos para formação de
excelentes membros das comunidades primitivas, o mito busca passar para as
gerações futuras a forma ou postura e conduta de um individuo. O sagrado é
constituído de todos os conjuntos de valores que uma determinada sociedade pode
atribuir a uma crença, é ele que aponta o que pode ou não ser considerado
crucial para, por exemplo, uma religião. Geralmente o sagrado possui seus
representantes entre os homens que são os sacerdotes, somente eles adotam todo
um sistema de costumes e crenças que os separa dos demais membros da
comunidade, só eles escutam a voz de Deus ou deuses e possui a capacidade de
passar ao povo o necessário. Os próprios membros sabem da importância de ter um
líder religioso que realize tarefas que um individuo comum não teria tempo para
fazer.
Hoje com o avanço da neurociência, algumas
proposições do pai da psicanálise foram corroboradas, enquanto as atribuições
sobrenaturais vem sendo a cada dia questionadas, ou seja, o mapeamento do
cérebro demonstrou que mesmo com dormindo o cérebro continua com sua atividade
normal. Segundo pesquisas da área o sonho não é algo próprio dos seres humanos,
mas outras espécies de animais também sonham, esse momento geralmente noturno
se manifesta com elementos recentes, ou seja, com aquilo que acontece durante o
dia.
Um cão pode sonhar passeando, ou brincando com
um osso, isso pode representar o seu desejo em realizar essas tarefas que antes
fez com seu dono ou sozinho durante o dia. Logo esse fator retira dos humanos a
legitimidade de que só eles “sabem” sonhar. Mesmo com as criticas que a
psicanálise vem sofrendo no próprio meio acadêmico boa parte de suas teses
ainda são fortes e essenciais para a compreensão da mente humana, não no
sentido de demonstrar o mecanismo como faz a neurociência, mas como identificar
os códigos e significados que os sonhos trazem para o paciente talvez as
preocupações ou questões que existiam no século XX sobre a mente, voltado ao
mecanismo tenha sido ou esteja sendo respondido pela ciência. Mas existem
perguntas de dimensões filosóficas que tanto a psicanálise como a neurociência
buscam também repostas. Desde o que é a consciência a questões de relação entre
a mente e corpo. Atualmente os projetos de pesquisas cientificas apresentam a
energia escura como solução de problemas para a compreensão do sistema
cerebral. Isso trouxe um forte dialogo entre filosofia e ciência, a psicanálise
também pode tirar algumas duvidas acerca do funcionamento do cérebro quando o
individuo está dominado e criando o mundo fantástico no seu inconsciente.
5 Considerações finais
Mesmo com a ciência definido o processo ou mecanismo
do sonho ainda existe toda uma atribuição mística, o que faz parte de uma
cultura e crenças dos povos, mesmo vivendo diante de tecnologias, a tradição
que eleva os sonhos ao patamar de sagrado é bem forte, a ponto de escritores
religiosos explorarem o assunto, para os seus fieis tanto religiões proféticas
como o judaísmo, cristianismo e islamismo quanto as espiritualistas e
sapienciais do oriente possui suas posturas doutrinarias diante dos sonhos, ou
seja, o sonho está diretamente manifestado no sagrado. Aonde tem o sagrado
existe o mito como aquele propulsor de valores e condutas morais para os
indivíduos. Nem todos de inicial estão “preparados” para enfrentar algumas
proposições que a psicanálise pode apresentar no que cerne a sua linha de
estudo e pesquisa, por isso durante muito tempo alguns volumes das Obras de
Freud não eram mais lidos devido o incomodo e angustia que causavam ao
demonstrar o homem como aquele onde a sexualidade está presente todo o tempo.
Diga-se de passagem, o sexo é algo que desperta curiosidade, mas por causa da
postura e censura cultural, saber de determinados desejos provoca repugnarão
daqueles que têm contato com a obra, é próprio do juízo de valor tradicional.
Entender o sonho é desvendar o inconsciente de um individuo, é se expor ao psicanalista,
que de forma ética não terá postura preconceituosa ou repressora, mas buscará
ajudar o paciente em suas dificuldades. Talvez ajude até mesmo superar
determinadas patologias que afetam a relação social do individuo como, por
exemplo, as psicopatologias, a depressão e outras doenças que afetam a vida e a
mente daqueles buscam ajuda com essa ciência que mesmo sendo questionada trouxe
grandes contribuições.
BIBLIOGRAFIAS
Campbell, Joseph. O herói de mil
faces. Editora Cultrix, São Paulo. Ano 1996.
Szklarz, Eduardo. Por que sonhamos? Das velhas
teorias psicanalíticas à moderna neurociência; que a ciência sabe sobre esse
curioso fenômeno? Super Interessante, São Paulo; edição 240° - A , p 57, junho-
2007.
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