Ludwig
Wittgenstein, gênio da filosofia, começou a falar só aos 4 anos. Estudou com
tutores particulares em sua casa, em Viena, até os 14 anos. Sem conseguir
passar no vestibulinho do colegial, foi parar em 1903 na escola técnica de Linz
(a mesma de Adolf Hitler, de quem não foi colega, pois o futuro ditador estava
dois anos atrasado nos estudos). Mas ele simplesmente não se interessava pelos
colegas. A solidão e a dislexia fizeram dele um perfeito alvo de bullying.
"Nunca consegui expressar metade do que queria. Na verdade, não mais que
um décimo", contou em suas memórias.
Assim foi o
jovem Wittgenstein. Mas sua excentricidade e o fato de ter revolucionado a
filosofia no século 20 não são uma contradição, segundo o professor Michael
Fitzgerald, do Trinity College, em Dublin. O psiquiatra vê em sua biografia
sintomas que caracterizam a síndrome de Asperger - um tipo de autismo que,
aliado a um intelecto avantajado, pode ser a base da genialidade.
Todo autista se
foca obsessivamente em interesses muito específicos, tem comportamentos
repetitivos e não se interessa em interagir com outras pessoas. Mas, enquanto a
imagem mais comum é a da criança ensimesmada balançando para a frente e para
trás, o espectro do autismo vai desde o atraso mental até o desenvolvimento
linguístico e cognitivo completo - caso da síndrome de Asperger. Quem tem essa
síndrome não se interessa em dividir experiências e emoções, tem padrões
restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento e de interesses e não
abre mão de sua rotina. Isso torna o convívio difícil - mas pode ter um efeito
colateral inesperado.
"Muitas
características da síndrome de Asperger aumentam a criatividade", escreve
Fitzgerald em Autism and Creativity (Autismo e Criatividade). "Pessoas
assim têm uma capacidade extraordinária para focar-se em um tópico por um longo
período - dias, sem interrupção nem mesmo para as refeições. Não desistem
diante de obstáculos." E não é apenas a concentração. A forma como
entendem o mundo é diferente. Quando veem uma coisa, apreendem o detalhe para
então sistematizar como funciona o geral - enquanto a maioria das pessoas
apreende o geral para depois se afunilar em detalhes. Isso é um enorme ponto
positivo para engenheiros, físicos, matemáticos, músicos.
Não que não haja
um lado negativo. Portadores da síndrome de Asperger também têm dificuldade em
aceitar e adotar regras sociais. Por isso, muitas vezes parecem ter
personalidade infantil. Quando entrou para a faculdade de engenharia,
Wittgenstein se fascinou pela obra Os Princípios da Matemática, de Bertrand
Russell. Em 1911, mudou-se para a Universidade de Cambridge para estudar com
Russell. Nos primeiros dias, chegava à sala do mestre à noite e seguia até a
manhãzinha desdobrando suas ideias como que em um monólogo. Em 1926, quando
terminou a defesa oral de sua tese de doutorado, deu um tapinha nos ombros dos
examinadores. "Não se preocupem. Eu sei que vocês nunca conseguirão
entender", disse. Wittgenstein começou então a dar aulas. Em seus
seminários, era como se não houvesse uma audiência. Lutava com seus pensamentos
e volta e meia caía em silêncios que nenhum estudante ousava interromper.
Qualquer comentário que considerasse estúpido era retrucado brutalmente.
Para escrever
Investigações Filosóficas, sua maior obra, ficou isolado numa cabana na
Irlanda. Certa vez, o caseiro, que o havia visto conversando, perguntou-lhe se
tivera uma boa companhia. A resposta foi: "Sim, falei muito com um ótimo
amigo - eu mesmo". Numa carta a Bertrand Russell, escreveu: "Estar sozinho
me faz um bem infinito, e não acho que agora poderia suportar a vida entre
pessoas". O único grande prazer social do filósofo era discutir seus
interesses - lógica, linguística e música. O mundo real pouco lhe importava.
O gene da
engenharia
Todo engenheiro
é um pouco autista. Essa é a conclusão, polêmica, do psiquiatra Simon
Baron-Cohen, de Cambridge. Simon buscava identificar se estudantes com sintomas
da síndrome de Asperger tinham predisposição a escolher alguma área específica
de conhecimento. Fez um levantamento com graduandos de Cambridge e viu que
alunos de exatas eram os mais propensos a ter os sintomas. O estudo fez barulho
suficiente para que os pais de alunos de Eindhoven, na Holanda, entrassem em
contato com ele depois de identificarem uma epidemia de autismo na cidade,
conhecida pela concentração de empresas tecnológicas. Baron-Cohen comparou
Eindhoven com Haarlem e Utrecht - que têm número semelhante de habitantes - e
levantou a porcentagem de pessoas empregadas em tecnologia: 30, 16 e 17%,
respectivamente. Depois, pesquisou a prevalência de autismo diagnosticado nas
cidades: 229 por 10 mil crianças em Eindhoven, contra 84 e 57 nas outras. Para
Baron-Cohen, isso é indício de que regiões onde pais têm empregos relacionados
à "sistematização", como o da tecnologia da informação, terão uma
taxa de autismo maior em suas crianças. É um resultado polêmico: indica que as
pessoas naturalmente mais aptas para as ciências exatas carregam mais genes
ligados ao autismo do que a média da população. E mais: é uma evidência de que
essa aptidão seja, por si só, uma forma leve de autismo.
Einstein, o
autista
O psiquiatra
Michael Fitzgerald identificou traços da síndrome de Asperguer, uma forma
moderada de autismo, em 42 personalidades históricas. Conheça algumas delas.
ALBERT EINSTEIN
"Meu senso
de justiça e de responsabilidade social sempre se contrastou com minha falta de
necessidade de contato direto com outras pessoas ou comunidades. Sou de fato um
viajante solitário e nunca pertenci a meu país, à minha casa, aos meus amigos
ou mesmo à minha família", escreveu o físico nos ensaios Como Vejo o
Mundo.
GLENN GOULD
Um dos maiores
pianistas do século 20 não deixava ninguém tocá-lo e, quando mais velho, só se
comunicava com o resto do mundo por telefone ou por cartas. Aos 32 anos parou
de tocar em público e se fechou no estúdio. Afinal, para ele tocar música era
um ato tão íntimo que não dava para conciliá-lo com a audiência.
LEWIS CARROLL
O escritor
americano Mark Twain chegou a dizer que Carroll, matemático autor de Alice no
País das Maravilhas, era interessante "somente para olhar." Era o
homem "mais estiloso e mais tímido" que já tinha visto. Não dava
autógrafos nem deixava ser retratado - mesmo sendo ele mesmo um fotógrafo
amador. "Minha aparência e minha escrita pertencem somente a mim",
escreveu em uma carta.
Fonte:http://super.abril.com.br/comportamento/o-lado-bom-das-coisas-ruins
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