São Paulo - O
Brasil pode não ser o país da educação, mas virou o país das empresas de
educação. Nos últimos cinco anos, com crise ou sem crise, os grupos de ensino
superior privados tiveram um crescimento espetacular. Em 2010, as três empresas
de ensino superior listadas em bolsa valiam 7 bilhões de reais. Hoje, elas são
quatro — e valem 35 bilhões de reais.
A Kroton, destaque da turma, tornou-se
a maior empresa de educação do
mundo. Esse fenômeno foi impulsionado por três fatores. As empresas levaram
para o setor carcomido um estilo de gestão moderno. Também perceberam um avanço
social inédito, que permitiu a milhares de estudantes pagar uma faculdade.
Mas nenhum desses fatores foi tão
decisivo quanto o terceiro — uma baita ajuda do governo federal. Em 2010, o
Ministério da Educação (MEC) decidiu turbinar o Fies, programa de financiamento
para estudantes do ensino superior.
De lá para cá, o governo já gastou mais
de 30 bilhões de reais para pagar as mensalidades de 1,5 milhão de estudantes —
dinheiro que foi, inteirinho, para o caixa das faculdades privadas brasileiras. Com a
perspectiva de que um programa tão popular fosse mantido para sempre, as
empresas partiram para aquisições, cresceram como nunca — e se tornaram as
maiores estrelas da bolsa brasileira. Até que o governo mudou de ideia.
Nos dias 29 e 30 de dezembro, o MEC anunciou
duas portarias que mudaram o jogo para redes com mais de 20 000 estudantes. A
primeira passou a exigir uma pontuação mínima no Enem, o exame de avaliação do
ensino médio, para que os estudantes recebam o financiamento público.
Até então, qualquer aluno, independentemente
de seu desempenho no exame, poderia receber o Fies. Agora o governo exige o
mínimo de 450 pontos em 1 000 possíveis. O aluno também não pode zerar a redação. A
segunda mudança é na forma com que o governo paga as instituições.
Os pagamentos, que eram mensais,
passarão a ser feitos a cada 45 dias. Um curso de graduação com quatro anos de
duração, portanto, será pago às escolas em seis. Foi o suficiente para a lua de
mel dos investidores com as empresas terminar.
Algumas redes, como a pernambucana Ser
Educacional, já perderam mais de 40% de seu valor. Acostumados a dar boas
notícias ao mercado, executivos do setor passaram as últimas semanas em
incontáveis reuniões com investidores e com o governo.
A primeira e mais urgente demanda dos
executivos é para que o governo volte atrás na forma como vai pagar as escolas.
Com menos parcelas anuais, as empresas vão precisar de mais dinheiro em caixa
para suas despesas do dia a dia. O problema, afirmam as escolas, é que as
mudanças vão afetar não só os novos contratos mas também os financiamentos já
firmados nos últimos anos.
A Federação Nacional das Escolas
Particulares entrou na Justiça com um pedido de mudança nas regras. A
Associação Brasileira para o Desenvolvimento da Educação Superior (Abraes), que
reúne seis das maiores redes do país, tem uma série de reuniões agendadas em
Brasília para tentar convencer o governo a voltar atrás. “Alterar regras de
contratos é ilegal. Mostramos isso ao MEC. Esperamos bom senso”, diz um
executivo do setor.
Em paralelo, as escolas se organizam
para se adaptar à mudança, que, na visão de todos, é de fato definitiva — a
exigência de, no mínimo, 450 pontos. De acordo com a consultoria Hoper,
especializada em educação, em 2012 26% dos estudantes ficaram abaixo dessa
pontuação. A situação é pior no Norte, no Nordeste e no Centro-Oeste, onde mais
de 30% dos alunos ficaram abaixo da nova nota mínima.
O problema é que, de lá para cá, a
média geral no exame piorou — caiu de 500 para 470 pontos. Como resultado,
segundo a Abraes, neste ano 49,9% dos estudantes não poderiam receber o
financiamento do governo sob as novas regras. A mudança só será implementada no
próximo Enem, mas as perspectivas para as escolas são dramáticas.
As mais afetadas, na visão de
analistas, são as redes com mais unidades nas regiões de pior desempenho no
Enem, como a pernambucana Ser, ou redes com pouca penetração de ensino a
distância — modalidade ainda não contemplada com o Fies.
No caso da Kroton e da Estácio, em que
mais de 30% dos alunos estão inscritos em cursos a distância, as mudanças
diminuiriam em menos de 10% a base de alunos potenciais. São também essas
escolas, na visão de analistas, que mais podem se beneficiar da mudança,
roubando alunos ou até comprando redes que passarem a enfrentar dificuldades.
Novas exigências
Para não perder os alunos reprovados no
Fies, as escolas vão precisar investir. Uma opção analisada pela Kroton é
financiar por conta própria os estudantes e, durante um ano, oferecer aulas de
reforço para que no ano seguinte eles voltem a fazer o Enem. Outra ação em
estudo por alguns grupos é aumentar o número de promoções na mensalidade para
atrair os sem-Fies.
O que as últimas mudanças deixaram
claro é que o governo não parece mais disposto a aumentar a base de
universitários a qualquer custo. Até 2014, a única exigência era que, para
receber aluno do Fies, os cursos tivessem uma nota mínima de 3 num ranking que
vai até 5. Agora, além da exigência de uma pontuação mínima para os alunos, o
novo ministro da Educação, Cid Gomes, avisou que outras mudanças poderão vir.
Ele disse, por exemplo, que pode
aumentar a exigência de nota mínima para os cursos. Com a atual nota de corte,
13 900 cursos podem receber alunos pagos pelo governo. Mas o
número cairia para 5 200 se a nota mínima aumentasse para 4. “Apoiamos
qualquer medida que ajude a melhorar a qualidade”, diz Elizabeth Guedes,
diretora da Abraes.
“Mas só cobrar não basta. É preciso
melhorar o ensino médio para que os estudantes cheguem mais preparados à
universidade.” Em meio ao debate, até o fechamento desta edição, as quatro
maiores redes de ensino superior já tinham perdido 12 bilhões de reais de valor
de mercado em 2015.
Fonte: http://exame.abril.com.br/
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