Tornar-se
mãe é uma grande realização para a maioria das mulheres. Porém, o sonho da
maternidade pode ser interrompido ou adiado por uma anomalia fora do útero que,
mesmo tratada, não tem cura. Doença que dificulta a gravidez, a endometriose
nem sempre vem associada à dor pélvica crônica, seu principal sintoma. São
exatamente os casos de difícil diagnóstico os mais preocupantes: como a pessoa
não sente nada, não se preocupa em realizar exames médicos.
Somente no Brasil,
mais de seis milhões de mulheres na faixa etária de 20 a 40 anos são afetadas,
segundo a Sociedade Brasileira de Endometriose (SBE). Embora especialistas
estejam atentos, a ausência de estatísticas colabora para a proliferação de
casos. Ao lado de São Paulo, Belo Horizonte é uma das referências no
diagnóstico e tratamento da doença no país, contando com o suporte do
ambulatório do Instituto Jenny de Andrade Faria, que oferece atendimento
público no Hospital das Clínicas da UFMG.
Quando há sintomas, a endometriose está relacionada à cólicas menstruais
intensas, menstruação irregular, dor profunda e desconfortável na relação
sexual, inchaço e dor abdominal. A anomalia ocorre quando partes do endométrio
– tecido composto de glândulas e estroma na cavidade do útero, parcialmente
eliminado pela menstrução – fixam-se em órgãos como ovários, trompas,
ligamentos pélvicos, intestino, bexiga, apêndice e, em casos extremos, o
diafragma e o pulmão. Quanto mais ovulações a mulher tiver tido ao longo da
vida, maior a exposição. Outros fatores de risco são menstruar muito cedo,
nunca ter tido filhos, menstruações que duram sete dias e o fator genético – a
portadora cuja mãe ou irmã sofre da doença tem seis vezes mais chance de
desenvolvê-la do que outras mulheres em geral.
Estudos recentes mostram que portadoras tem uma taxa de fecundidade (chance de
engravidar por mês de exposição) bem menor que mulheres sadias: 2 a 4%, contra
25%. O percentual de casos associados à média de infertilidade deixa claro a dimensão
do problema: 40% das mulheres inférteis têm endometriose. “A endometriose é uma
doença cuja causa é desconhecida e não tem cura. Mas sabemos que quanto maior o
tempo, maior a exposição. Antigamente, as mulheres engravidavam cedo e, como
passavam a maior parte da vida grávidas, não ovulavam muito. O cenário hoje é
diferente”, comenta o médico ginecologista João Pedro Junqueira Caetano,
vice-presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH). Na
avaliação do especialista, casos ocorrem mais frequentemente devido à escolha
de muitas mães em adiar a maternidade e a outros fatores, como estresse e
produtos químicos na alimentação.
A falta de conhecimento da portadora, somada ao desenvolvimento oculto (são
quatro os graus da doença: mínima, leve, moderada e severa) agravam o
diagnóstico e aos poucos reduzem as chances de gravidez, principalmente para
quem tem mais de 35 anos. Caetano sugere duas formas de tratamento. Se o maior
incômodo for a qualidade de vida, recomenda-se a cirurgia. Se a meta for
engravidar, é preciso passar pelo diagnóstico e tratamento da infertilidade –
partindo do pressuposto de que as trompas estão normais. Até os 35 anos, o
especialista recomenda a indução da ovulação e a inseminação artificial. Caso a
portadora não engravide, a solução pode ser a fertilização in vitro. “Neste
caso, o tratamento mais eficaz é a fertilização in vitro. Discute-se muito se a
paciente se beneficia antes da cirurgia com a fertilização in vitro para
retirar parte da endometriose”, comenta.
Estudos recentes apontam que cirurgias com extrações minuciosas das lesões (por
meio de videolaparoscopia) podem diminuir ou retardar ocorrências de lesões e
sintomas. Mas, em 30% a 50% dos casos, pode haver recorrência até dois anos
após a cirurgia. O procedimento, entretanto, não é indicado em algumas
situações. “A mulher vive um dilema entre a família e a profissão e deixa a
maternidade para muito tarde. O caminho a se trilhar depois dos 35 anos é muito
mais difícil”, lembra o médico, sócio da clínica de fertilização Pró-Criar.
A escolha do tratamento de acordo com o objetivo de vida também é o pontapé
inicial para quem for procurar atendimento público (via Sistema Único de Saúde)
na capital mineira. A referência em Belo Horizonte é o Instituto Jenny de
Andrade Faria do Hospital das Clínicas, cujo laboratório de endometriose foi
estruturado em 2009. Por meio dele, a paciente tem acesso, além do diagnóstico,
a avaliações psicológicas e multidisciplinares, que determinam o que mais a
incomoda: dor, infertilidade ou a combinação das duas. Um facilitador no
combate à endometriose. “A avaliação é um pouco complexa porque levamos em
consideração o que é mais importante para a mulher naquele momento”, explica a
professora e chefe do laboratório, Márcia Mendonça.
A avaliação, segundo ela, atende ao critério internacional de centro excelência
para a mulher com endometriose. A médica avisa, porém, que a paciente deve
realizar avaliação do ginecologista antes de procurar o instituto. “O médico
encaminha, avaliamos e marcamos a consulta. Mas antes disso ela passa por uma
reunião de orientação sobre a doença, recebendo informações básicas, a
importância da participação dela na melhora (alimentação, atividade física,
cuidado com o próprio corpo). Uma vez diagnosticada, direcionamos o que é mais
importante. Com a paciente sempre participando do processo, que é decisório”.
Novos tratamentos
Pesquisa do médico e professor gaúcho João Sabino Cunha Filho, da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), identificou uma
mutação do gene do hormônio Luteinizante (LH), relacionada à endometriose, que
abre perspectiva para novos tratamentos. O hormônio – cuja liberação é
fundamental para a ovulação e manutenção da gravidez – pode explicar uma
alteração na sensibilidade e secreção da progesterona. Em tese, a mutação
deixaria as mulheres mais propensas a abortos ou a falhas de fertilizações.
“Ainda é um teste caro, mas, como ocorre na oncologia, esperamos que no futuro
milhões de mulheres com endometriose ou risco para essa doença possam ter um
tipo de rastreamento genético para identificar anormalidades”, afirma Sabino. O
trabalho agora é descobrir qual o metabolismo alterado e propor um diagnóstico
mais rápido e um tratamento mais eficaz. O especialista afirma que vários
pesquisadores e grupos dos Estados Unidos, Inglaterra e Austrália vêm
procurando testes e anormalidades genéticas relacionadas ao mal. O problema
reside no fato de a doença ser muito heterogênea.
Fonte:
http://www.oimparcial.com.br
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