Começa a chegar no
Brasil um movimento crescente nos Estados Unidos e na Europa: o de pais que
encaram com desconfiança o grande número de vacinas dadas nos primeiros meses
de vida do bebê e optam por adiá-las ou mesmo eliminá-las.
Segundo um mapa de
doenças elaborado pelo Council on Foreign Relations (organização independente
especializada em política internacional, com sede nos Estados Unidos) estão
aumentando os surtos de coqueluche e de sarampo nos Estados Unidos e no Reino
Unido, situação que os especialistas atribuem à diminuição da cobertura
vacinal.
Para o pediatra
Marco Aurélio Palazzi Sáfadi, diretor de pediatria da Santa Casa de São Paulo e
membro do Núcleo Científico do Departamento de Infectologia Pediátrica da SBP
(Sociedade Brasileira de Pediatria), no Brasil, a tendência antivacina
ancora-se, paradoxalmente, em uma história de sucesso. "A nova geração de
pais não vivenciou a gravidade de doenças como sarampo, difteria e paralisia
infantil", afirma.
Criado em 1973, o
Programa Nacional de Imunizações praticamente eliminou o sarampo, por exemplo,
da lista de doenças infantis. Segundo pesquisa do epidemiologista Cesar Victora
pela Universidade Federal de Pelotas (RS), as mortes infantis por sarampo
diminuíram de 1.433 em 1979 para 17 em 1997, em todo o país. E, segundo o
Ministério da Saúde, a cobertura de vacinação chegou a atingir 95% dos
brasileiros em 2012.
"Nos últimos
anos, estamos percebendo uma tendência de pais que adotam práticas de medicina
alternativa e rejeitam as vacinas", diz o pediatra Sáfadi. Ainda
existem poucos estudos a esse respeito, mas essa já era a constatação de uma
pesquisa realizada em 2007, em 27 capitais brasileiras.
No "Inquérito
de Cobertura Vacinal nas Áreas Urbanas das Capitais", estudo realizado
pelo Centro de Estudos Augusto Ayrosa Galvão, com apoio do Ministério da Saúde
e da Organização Pan-Americana da Saúde, essa tendência foi observada em dez
capitais, incluindo São Paulo, onde a taxa de cobertura vacinal na classe A foi
significativamente menor que na classe E.
Segundo a pediatra
Carolina Luísa Alves Barbieri, que avalia o fenômeno em sua tese de doutorado
pela Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) –"Cuidado
Infantil e (Não) Vacinação no Contexto de Famílias de Camadas Médias em São
Paulo"–, a facilidade de acesso à informação, com a disseminação da
internet, foi determinante para que muitos pais saíssem de uma postura mais
passiva diante das orientações médicas para uma mais crítica e assertiva a
respeito do assunto.
Ao se julgar
informado, esse paciente se expõe a riscos. "(...) pode estar à frente de
uma avalanche de informações de qualidade e validade duvidosa e de uma
armadilha, em que a percepção de ter mais informação em saúde faça-o se sentir
expert no assunto, mesmo diante da possibilidade da superficialidade do
conhecimento adquirido", diz a pesquisadora em sua tese.
Um exemplo de como
é fácil formar opiniões equivocadas a partir de informações colhidas
aleatoriamente é um estudo, divulgado em 1998, que associava a ocorrência de
autismo com a administração da vacina tríplice viral, a SCR (contra sarampo,
caxumba e rubéola).
Essa pesquisa recebeu várias críticas posteriores, principalmente em relação à
sua metodologia, além de denúncia de interesses financeiros (o autor teria
recebido pagamento de advogados interessados em processos pela compensação de
danos provocados pela vacina). Em 2010, a pesquisa foi submetida a um
julgamento pelo Conselho Geral de Medicina do Reino Unido, que condenou o autor
do estudo, o médico Andrew Wakefield, por conduta profissional errônea e cassou
seu registro profissional.
Excesso de vacinas e aumento de alergias
Há especialistas
que veem com muita desconfiança as vacinas administradas aos bebês, como a SCR.
É o caso da pediatra homeopata Liliane Azambuja, do Centro Clínico da PUC do
Rio Grande do Sul e professora da Fundação Centro Gaúcho de Estudos e Pesquisa
em Homeopatia.
"Tenho no meu
consultório crianças portadoras de autismo regressivo pós-vacinal, que até os
18 meses vinham se desenvolvendo bem e que tiveram uma interrupção em sua
evolução social e verbal após receber vacinas, principalmente a SCR",
afirma Liliane.
A pediatra também
critica o excesso de vacinas dadas na primeira infância, ao que ela atribui o
aumento dos quadros alérgicos entre as crianças. "O aumento indiscutível
de doenças alérgicas e autoimunes em bebês demonstra a dificuldade do sistema
imunológico de lidar com tantos estímulos", diz.
Segundo a
especialista, espaçar um pouco mais e até postergar algumas vacinas poderia
fazer com que a resposta do sistema imunológico não fosse tão violenta.
"Muitas
vacinas poderiam ser realizadas mais tarde, como a de hepatite B, que é feita
nas primeiras horas de vida e deveria ser aplicada apenas em crianças de risco,
já que, mesmo no SUS (Sistema Único de Saúde), a dosagem de HBsAG (o marcador
da doença no sangue) faz parte da rotina pré-natal. Qual a razão de aplicá-la
tão cedo se a mãe não tem hepatite e a criança, geralmente, fica em casa até,
no mínimo, quatro meses de vida?", questiona a médica.
Entidades médicas apoiam vacinas
A posição de
Liliane não encontra respaldo na APH (Associação Paulista de Homeopatia). O
pediatra e homeopata Sérgio Eiji Furuta, presidente da entidade, diz que a APH
segue, com rigor, a legislação referente ao assunto. Afinal, no Brasil, a
vacinação do calendário básico é obrigatória, regulada por legislação federal
(o decreto 78.231, de 12 de agosto de 1976), sendo dispensada apenas a pessoa
que apresentar um atestado médico de contraindicação explícita da aplicação da
vacina.
"Qualquer
médico com registro no Conselho Regional de Medicina, homeopata ou não, pode
indicar ou contraindicar uma vacina para o seu paciente, mas será
responsabilizado criminalmente se prejudicá-lo", diz Furuta.
A ABMA (Associação
Brasileira de Medicina Antroposófica) também emitiu, em 2006, um documento
assumindo o compromisso institucional de seguir fielmente o calendário nacional
de vacinação. O objetivo da entidade era eliminar qualquer dúvida de que os
médicos antroposóficos, muitas vezes apontados como contrários às vacinas,
cumprem o que determina o Ministério da Saúde.
Tira-dúvidas
Para orientar a
população, a SBIM (Sociedade Brasileira de Imunizações) lançou o livro "Recusa de
Vacinas: Causas e Consequências", escrito pelo vice-presidente
da entidade, o infectologista Guido Carlos Levi. No livro, o especialista
relaciona os principais argumentos contra as vacinas e comenta cada um deles.
Confira alguns desses esclarecimentos.
O sistema de defesa do organismo do bebê ainda é muito frágil para ser
exposto a agentes estranhos
A vacinação
consiste na introdução de um micro-organismo morto, atenuado (sem capacidade de
produzir infecção) ou, ainda, uma partícula sintetizada em laboratório.
Vacinado, o organismo é estimulado a produzir defesas (os anticorpos) para
lutar contra as substâncias agressoras (os antígenos). Segundo o
infectologista, o ser humano desenvolve a capacidade de responder aos antígenos
antes mesmo do nascimento.
O organismo do bebê não tem capacidade de se tornar imune a várias
doenças de uma só vez, ao receber vacinas simultâneas
Segundo o
infectologista, as vacinas combinadas são tão eficientes como as que são
administradas isoladamente.
A quantidade de vacinas aplicadas é muito grande
Apesar do aumento
no número de vacinas atualmente empregadas, a chamada "carga
antigênica", ou seja, a quantidade de antígenos capazes de provocar uma
reação do organismo é bem menor nas vacinas atuais. Graças às novas
tecnologias, elas introduzem menos substâncias no organismo, com muito mais
eficiência.
Assim, os médicos
não estipulam limites para a aplicação de novas vacinas, muitas das quais ainda
não oferecidas pelo sistema público de saúde. É o caso, por exemplo, de novas
vacinas para meningite, que cobrem um espectro maior de tipos da doença, em
relação à imunização oferecida nos postos públicos.
"Além da
vacina meningocócica C conjugada, já podemos proteger também contra os tipos
A,W,Y e, muito em breve, também contra o B, responsável por cerca de 20% das
infecções meningocócicas em nosso país", diz o infectologista Guido Levi.
Mas para que os
pais não fiquem com dúvidas em relação ao calendário de vacinação oferecido
pela rede pública e rede privada, o homeopata Sérgio Furuta recomenda seguir o
calendário proposto pela Sociedade Brasileira de Pediatria. A versão para 2015
está disponível aqui.
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