OS PERIGOS DA ADULTIZAÇÃO INFANTIL
Por:
Marcos Tuler
“Tudo
o que será aprendido deve ser disposto segundo a idade, para que nunca se
ensine nada que não possa ser compreendido”. (Comenius – Didática Magna)
“O
aprendizado depende do nível de desenvolvimento do indivíduo. Ele não pode
aprender o que suas estruturas cognitivas ainda não podem absorver” (Piaget).
“Quando
eu era criança falava como criança, sentia como criança, discorria como
criança” (1 Co 13.11).
INTRODUÇÃO
Hoje
em dia, as crianças estão se comportando como se fossem “pequenos adultos”.
Cada vez mais cedo, elas assumem responsabilidades, disputam posições em
determinadas atividades, buscando múltiplas competências. Desprotegidas,
recebem de forma direta a influência de uma sociedade que exige seres
perfeitos.
Como
se isso não fosse bastante, muitos pequenos sentem o peso das exigências de
“gente grande” como a falta de dinheiro ou o problema do desemprego na família.
Esse
seminário tem por objetivo questionar a adultização da criança nos dias atuais,
discutir suas principais causas e consequências, e apontar a necessidade de
mobilização de toda sociedade, especialmente a cristã, a fim de resgatarmos a
infância perdida de nossas crianças. O que podemos fazer como cidadãos, pais e
educadores cristãos, diante desse processo de adultização da infância? Afinal,
o que é infância?
I. A INFÂNCIA CONSIDERADA
HISTORICAMENTE
1. A infância na Idade Média.
Até o
século XVI, as crianças eram vistas como “adultos em miniatura”; símbolo da
força do mal; um ser imperfeito esmagado pelo peso do pecado original, ou
simplesmente um companheiro natural do adulto.
Neste
sentido, a infância era concebida apenas como um percurso para a vida adulta.
Uma visão negativa, pois, nesta idéia, a criança seria um ser inacabado; sem
nada específico e original, sem valor positivo.
2. A infância resgatada nos
tempos modernos.
No
decorrer da história da infância aconteceram diversas transformações do
pensamento social em relação á família e á própria infância. A partir do século
XVI começa a surgir na sociedade o sentimento e a idéia de infância. A criança,
antes relegada ao último plano, passou a conquistar seu espaço social. Desde
então, surgiram várias pesquisas fortalecendo o reconhecimento cultural dos
pequenos.
Dentre
os pesquisadores, Jean Jaques Rousseau (séc. XVIII) merece notoriedade. Em sua
obra “Emílio”, na qual defendeu a criança como detentora de uma natureza
própria que deve ser desenvolvida, assim asseverou: “A infância é, também a
idade do possível. Pode-se projetar sobre ela a esperança de mudança, de
transformação social e renovação moral”. E tal visão, perpetuou-se ao longo dos
tempos ainda que de forma não linear.
3. A infância nos dias de hoje.
A
idéia de infância ressurge fortemente com a sociedade capitalista,
urbano-industrial, na medida em que muda a inserção e o papel social
desempenhado pela criança na comunidade.
No
decorrer dessas transformações e devido ao amadurecimento do pensamento social,
a criança passou a conquistar seu reconhecimento na sociedade. A segunda metade
do século XX é considerada o período da legitimação do direito da criança. Ela
deixa de ser uma “criança-adulto”, para ser um sujeito social. Todavia, é
preciso destacar que junto a essas conquistas de reconhecimento dos direitos da
criança e sua valorização surgiram também determinadas condições. A mesma
sociedade que legitima esse ser social usa de poder para manipulá-lo e
sujeitá-lo às novas correntes de pressão social. O cenário da criança hoje,
devido a diversas circunstâncias, aponta para uma infância a caminho do
desaparecimento. Uma fase que após anos de construção, encontra-se em processo
de extinção.
II. OS VILÕES DA INFÂNCIA
Durante
muitos séculos a sociedade agiu de maneira indiferente com relação à infância.
As crianças, de maneira muitas vezes sutil ou subliminar, são pressionadas a
serem pequenos adultos. Imitam hábitos e costumes dos adultos e muitas vezes já
nem sentem alegria pela infância, seu desejo é alcançar a maioridade.
1. As
mídias, de modo geral. Em se tratando de poder, as mídias são atualmente fortes
instrumentos de influência e manipulação na educação e construção desses novos
seres “adultizados”. No Brasil, as músicas que as crianças cantam, não são mais
tão infantis. As maquiagens, roupas e calçados copiam o adulto como se os
gostos fossem os mesmos. As danças sensuais e canções com palavras obscenas já
fazem parte do repertório preferido dos pequenos. Meninas usam roupas e objetos
que estimulam a sexualidade precoce, assistem aos mesmos programas de televisão
e falam a mesma linguagem dos adultos. Garotinhas usam salto alto e meninos de
apenas cinco anos de idade já querem se vestir como adultos e já não aceitam
usar roupas que possuam qualquer desenho infantil que os faça parecer crianças.
Abraçar e pegar na mão do filho é considerado motivo de vergonha. Crianças
trabalham e apresentam programas de televisão.
2.
Videogames e filmes. Os jogos infantis também mudaram, a diversão agora são os
videogames e os filmes repletos de violência. Os brinquedos já vêm prontos,
tudo é industrializado, só é preciso manusear. Campeonatos infantis é atração
para os pais, que cobram dos filhos ótimos resultados de placar. E quanto a
alimentação não há mais distinção entre o lanche do adulto e da criança, todos
devem saborear os deliciosos "hambúrgueres" em qualquer tempo. Sem
falar da literatura infantil que também está mudando. Até as ruas que
antigamente eram lugar de socialização, hoje refletem a falta de relacionamento
e interação entre pessoas.
III. REAIS OBJETIVOS DA
ADULTIZAÇÃO
Mas
afinal, qual a razão de se negar às crianças a alegria das brincadeiras
espontâneas? Por que lhes podar a criatividade de fabricarem seus próprios
brinquedos? Qual o motivo da sociedade aplaudir tudo isso como se fosse algo
natural?
1.
Interesse econômico. O fato inegável é que há um interesse econômico por detrás
desta realidade. Uma intenção que possui um objetivo: educar as crianças a
serem consumidores em potencial. Educar para o consumo e para a submissão de
idéias. Produzir consumidores mirins que satisfarão cada vez mais os desejos
desse sistema que insiste em condicionar o verdadeiro sentido da infância ao
status, dinheiro e mecanização. As crianças estão sendo pressionadas a crescerem
depressa, quando na verdade deveriam respeitar seu processo de desenvolvimento,
pois não pensam, não sentem nem aprendem como os adultos. Elas precisam de
tempo para crescer e pressioná-las a viver como adultas só produzirão seres com
dificuldades, inseguranças e conflitos no futuro.
IV. ADULTIZAÇÃO NO ÂMBITO DA
IGREJA
1.
Cantores, pregadores e mestres mirins. Muitas crianças têm perdido a infância
por conta de certos “educadores” que no intuito de realizarem nelas o que
gostariam para si mesmos, podam-lhes a alegria, a imaginação, a inventividade e
o divertimento. Às vezes, são pais que gostariam de ser cantores, pregadores ou
professores de escola dominical, mas que por falta de vocação natural, ou até
mesmo de uma chamada divina específica, projetam nos filhos, seus sonhos ou
objetivos não-realizados.
Quem
nunca viu um menino com menos de dez anos vestido de terno e gravata, cantando,
pregando ou dirigindo um culto. E na escola dominical, quantas meninas e
meninos são colocados à frente de uma turma, quando na realidade, deveriam
estar aprendendo em uma classe de sua faixa-etária.
V. O QUE É SER CRIANÇA? O QUE
DIZ A PEDAGOGIA ATUAL?
Na
verdade, o que se fala hoje a respeito da infância não condiz com a realidade
das nossas crianças, nem com o que fazemos com elas.
É
preciso resgatar a verdadeira infância, na qual há um mundo de fantasia,
imaginação, criatividade e brincadeiras. Aqui entra o papel do pedagogo
cristão, pois como estimulador do conhecimento, poderá trazer para o espaço da
escola dominical desafios e valores que conduzam seus alunos a descobrirem a
verdadeira identidade da criança segundo os ensinamentos da Bíblia.
Poderá
trabalhar dentro dos estágios de desenvolvimento da criança, incentivá-la na
leitura da vida e não apenas da palavra, estimulando-a a ler nas
"entrelinhas" e a constituir-se como um cidadão capaz de transformar
sua própria realidade. Como educador evangélico poderá também questionar junto
aos educandos a postura das mídias e se posicionar como um instrumento
iluminador de pensamentos e idéias.
Aqui
entra a intervenção dos pais, professores de escola dominical, pastores, e de
toda a sociedade, que precisa romper com os muros do doutrinamento consumista.
Devemos exigir dos setores sociais, inclusive da própria família, da igreja e
dos setores de comunicação, uma educação que valorize mais o ser do que o ter.
Uma censura a ser respeitada, digna do público infantil e até a criação de um
código de defesa do telespectador ou leitor de mídias. É preciso acreditar numa
educação de qualidade para todos, a qual prepare as crianças para conhecer,
fazer, ser e conviver.
CONCLUSÃO
A
história da criança não deve retroceder a um passado de isolamento, e sim
estabelecer-se como a história de um sujeito possuidor de direitos, inclusive o
direito de voz e o de não ser manipulado pelos adultos. Está-nos proposto o
desafio: protegeremos a infância ou continuaremos a reproduzir os interesses de
um sistema que insiste em nos dominar?
Pr.
Marcos Tuler é pedagogo, escritor, conferencista e reitor da FAECAD (Faculdade
de Ciência e Tecnologia da CGADB).
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