terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Profissional e pai


São Paulo - Os gêmeos recém-nascidos, filhos do advogado Eduardo Pugliese, de 37 anos, sócio do escritório Souza, Schneider, Pugliese e Sztokfisz (SSPS), de São Paulo, tiveram um privilégio garantido a poucos bebês brasileiros: a presença integral do pai em seu primeiro mês de vida.
O SSPS é uma das raras empresas que oferecem licença-paternidade remunerada de um mês, enquanto a legislação prevê apenas cinco dias corridos de afastamento. “Minha folga já acabou, mas a de minha mulher continua. Às vezes, comento que gostaria de trocar: cuidar das crianças enquanto ela trabalha”, diz Eduardo, pai de mais um menino, de 3 anos. 
A velha divisão das tarefas familiares, na qual a mulher cuida dos filhos e o homem é o provedor do lar, há muito tempo vem sendo contestada. O aspecto mais discutido é o direito da mulher de construir uma carreira profissional em pé de igualdade com o homem. Mas faz parte da mesma discussão o interesse de muitos homens de incluir o exercício pleno da paternidade em suas tarefas diárias.
Uma tendência que passa pela rediscussão da figura do pai como responsável único pelo sustento da casa e das consequências que isso traz para a vida profissional dele.
Profissionais do sexo masculino têm progressivamente buscado a satisfação de participar do cuidado dos filhos com a mulher, mesmo que na maioria das famílias elas ainda se dediquem mais nesse quesito. De acordo com uma pesquisa da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), entre casais de classe média em que ambos trabalham fora, a mulher dedica 57% de seu tempo ao trabalho e 25% à família.
Para o marido, a carreira ocupa 61% do tempo, e as atividades domésticas chegam a 21%. Essa diferença já foi muito maior e tende a diminuir. Ambos os sexos gostariam de reduzir aproximadamente 20% o tempo direcionado à empresa e aumentar 20% a dedicação à vida pessoal.
O Instituto Papai, entidade de Recife que milita por uma melhor legislação para os pais, fez um levantamento com 140 homens de diferentes idades e classes sociais e descobriu que cerca de 80% deles gostariam de ampliar o tempo de que dispõem para cuidar dos rebentos.
“É claro que a equalização dos papéis não vai acontecer nos próximos dez anos, mas percebo a cada dia mais homens presentes em reuniões de escola, consultas médicas e todas as atividades relacionadas ao exercício da paternidade”, diz Tania Casado, professora na USP, de São Paulo, que desenvolveu a pesquisa em parceria com Érica Oliveira, professora da mesma instituição.
“Pode ser que no futuro os homens temam por sua carreira da mesma forma que as mulheres quando se aproximarem da época de ter filhos.”
A eleição de prioridades atormenta as decisões de pais presentes que desejam crescer na carreira. Durante todos os anos de graduação de sua mulher, Flavio Crivellari, de 42 anos, diretor financeiro da Aegea, empresa de saneamento de São Paulo, saía mais cedo do trabalho para tomar conta das duas filhas.
“Meu emprego me dava pouco tempo livre, então, para ficar com elas, muitas vezes abri mão de atividades que poderiam me dar destaque”, afirma Flavio. Quando o casal se separou, as meninas se mudaram com a mãe para Campo Grande, e para participar da educação delas Flavio alugou um apartamento na capital sul-mato-grossense, onde passou 44 dos 52 fins de semana do ano de 2007. Há três anos, as duas voltaram a morar com ele e, com elas, veio a necessidade de ponderar o tempo que passa em casa e no trabalho.
Dados do Instituto Data Popular indicam que 42% dos homens brasileiros não respeitam a decisão de outros homens de abandonar a carreira para cuidar da casa, enquanto 78% deles respeitariam se essa decisão fosse tomada por uma mulher. Superar esse preconceito fez parte da história de Claudio Santos, de 42 anos, ex-executivo de relações institucionais da montadora Renault, que decidiu abdicar da própria carreira para acompanhar a mulher numa expatriação.
“Aceitei não ser mais o provedor da família, papel que fui educado para exercer, mas me sentia fora do clube do bolinha, porque parecia que os outros não me viam como um sujeito normal”, diz Claudio, que hoje vive com a família nos Estados Unidos e é autor do livro O Macho do Século 21. “Não há mais lugar para tarefas definidas de acordo com o gênero, e eu admiro as pessoas que conseguem superar o enorme desafio de conciliar a carreira com a educação de uma criança”, afirma Claudio.

Mas a decisão não precisa ser tão radical. Compartilhar papéis domésticos contribui para que nenhum dos cônjuges tenha a carreira prejudicada. O carioca Alexandre Vilela, de 42 anos, gerente de projetos institucionais do laboratório farmacêutico Pfizer, de São Paulo, divide uniformemente com a esposa não apenas as despesas mas também as responsabilidades domésticas e o tempo dedicado aos dois filhos.
Como ambos têm profissões parecidas, quando um precisa ficar até mais tarde no escritório, ou viajar a trabalho, o outro assume o avental e todas as atividades envolvidas. “As crianças nos impulsionam a ser melhores profissionais, trazer melhores resultados, que vão refletir no orçamento da família”, afirma Alexandre.
“Ao dividir as tarefas da casa, minha esposa contribui para meu crescimento da mesma forma que eu contribuo para a evolução dela.” Além do impulso para galgar melhores salários, a paternidade tem outros impactos positivos na carreira, como o maior senso de responsabilidade que o profissional adquire. “Quando se está habituado a lidar com questões domésticas, não há problema corporativo que não possa ser resolvido”, diz Claudio. A convivência com os filhos torna a paternidade fundamental não apenas para a criança mas também para o executivo.
“O profissional feliz e completo fica mais motivado para batalhar pela satisfação na carreira”, afirma Jacqueline Resch, consultora da Resch Recursos Humanos, do Rio de Janeiro. “Conviver com minhas filhas me humaniza; me sinto emocionalmente seguro e equilibrado para trabalhar em um mercado cruel e pragmático”, diz Flavio, da Aegea.
Licença maior
A legislação brasileira prevê afastamento de cinco dias corridos para pais em caso de nascimento de filhos. Entretanto, esse período poderá ser alterado. Atualmente, tramitam no Congresso dois projetos de lei que estendem a licença. Um deles para 15 dias (parado no Senado), outro para 30 (travado na Câmara). Em 2013, 70 países legislaram a respeito do tema.
“Deveria haver pelo menos seis meses de licença, período que poderia ser dividido a critério dos cônjuges, como muitos países desenvolvidos já fazem”, afirma Mariana Azevedo, coordenadora do Instituto Papai, de Recife. Trata-se de uma luta que interessa também ao sexo feminino. “A atual situação desfavorece as mulheres, que ganham menos e ficam expostas ao risco de não conseguir emprego caso queiram engravidar.”
O maior desafio para os homens nesse cenário é administrar a carreira enquanto são também participativos na família, como as mulheres já têm feito. Para ter sucesso ao assumir múltiplas tarefas, é preciso saber ocupar bem o tempo: ser mais produtivo durante o expediente para não precisar fazer horas extras que seriam destinadas às crianças.
A Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) calcula que cerca de 40% das empresas oferecem algum tipo de benefício para facilitar a rotina dos executivos, como home office, horários flexíveis e creche corporativa.
“Cobramos pela qualidade das horas trabalhadas, não pela quantidade”, afirma Irene Camargo, diretora de RH da Pfizer. Lute para que sua empresa também lhe ofereça a oportunidade de ser um melhor pai. Na carreira e na vida, você só terá a ganhar. 

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